Menina Maniva

A que veio da mandioca, a parte venenosa, com muita clorofila, que precisa de sete dias para ser digerida. Isso porque não é qualquer um que encara a "pratada": Quente, calórica e pesada. Aparência nada amigável, sabor incomparável.

sábado, 1 de maio de 2010

Dia de trabalhar a emoção


Queria eu saber ainda, depois de tanto tempo, pensar como a Menina Maniva. Lembro como era revisar milhares de vezes as mesmas palavras, trocar algumas de lugar, usar sinônimos e sempre se sentir bem ao fim do texto-efeito-borboleta. Hoje, por acaso, li algo que me deu vontade de enfeitar de novo este blog de emoções. Quem sabe voltar a trabalhar em mim, o que há tempo se esconde, ou também troca de lugar, feito palavra dita todo dia só para cumprir tabela, preencher linha. Desnecessária. Meus dias andam assim, necessários demais para uma palavra sem lugar. Para lembranças que não trabalham mais a memória.

E então para que serve tanta lembrança, e tanto texto escrito e coisa sentida, se não para ativar esse redemoinho, ou melhor, acordar esse vulcão adormecido, que guarda chamas ferventes, mas por fora está coberto de neve e calmo.
É importante reler também o que está por trás das palavras.

Eis a pílula, meu "Viagra sentimental" de hoje : (não perdi o senso de humor)

"O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7"

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.
Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

(Júlio Cortázar)

Essas imagens-metáforas, esse sentimentalismo cheio de verdade, esses jogos de palavras, me fizeram relembrar o tal "trabalhar a emoção" que tanto fazia a Menina Maniva. Que por tão pouco era ativado e por tanto ficou adormecido. Queria eu despertá-lo de novo. Queria eu transformar esses dias de trabalho árduo em textos cheios de fúria. Porque não? Decidi que preciso voltar a exercitar o que me faz sentir viva de verdade.

A Menina Maniva está de folga no dia do trabalhador. Porém foi despertada do sono dos justos, para mais uma jornada de trabalho pesado em seu infinito particular.


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