Menina Maniva

A que veio da mandioca, a parte venenosa, com muita clorofila, que precisa de sete dias para ser digerida. Isso porque não é qualquer um que encara a "pratada": Quente, calórica e pesada. Aparência nada amigável, sabor incomparável.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

E ver tudo bem mais claro no escuro


Na manhã de hoje estava tentando imaginar qual seria a minha loucura, minha piração, se eu tivesse nascido há três décadas. Digo loucura e piração no sentido de estado de espírito e também escolha de modo de vida. Mas será que isso é uma escolha nossa mesmo? Foi Marx quem disse que o homem é um produto do meio? Bom, há indícios de que viramos consumidores, ávidos e famintos por tudo que é oferecido nesse meio conturbado que é a sociedade capitalista.
Mas a Menina-Maniva hoje veio falar de algumas loucuras que permeiam as vidas humanas, e que causam certo ar de mudança, nem sempre instantânea. Os efeitos reais só são sentidos algumas décadas depois.
Sim, tudo são os produtos, os devidos consumidores e esse meio das ofertas, mas há questões que ninguém sabe explicar muito bem. Sim, minha gente boa, estou falando de "Movimento", talvez a palavra mais literal, intensa, que eu já conheci.
A década em que fui adolescente está acabando agora, vou fazer 21 anos, a tão esperada maior idade. Vivi momentos de pequenos modismos, aliados a descoberta e avanços tecnológicos, no que se diz respeito à moda, cultura e comportamento. Na música, lembro-me da minha infância ao som do "Gera Samba”, grupo de axé baiano, que revelou "talentos" como Carla Perez e Sheila Carvalho. Revelava muito, por sinal, de suas personalidades e formas roliças, escancaradas na tela da Tv. Aprendi a valorizar minha anatomia de mulher com a falta de pudor delas.
Na entrada da minha pré-adolescência, lembro da fase dos "Tamagoshis" brinquedos criados pelos Chineses e que tomaram conta do mundo. Cheguei a cuidar de 3 filhinhos, andava com eles pendurados no cordão de metal, não descuidava um segundo sequer. Eles sentiam fome, sede, e alimentavam também meu espírito de responsabilidade, me fizeram deixar as bonecas pela primeira vez, de lado.
E nos meus 15, 16 anos, a moda foi o pagode romântico, mas não fez parte da minha vida por muito tempo. Eu até cheguei a pedir o autógrafo do Chrigor, vocalista do "Exaltasamba". Mas esse passado eu prefiro deixar paradinho, no seu lugar. Porque comecei a ler mais, conhecer outras coisas, fiz teatro, cantei, dancei, fiz parte dessas modinhas mas passei por elas, estava em mutação, tentando fazer meu próprio movimento. E quem não está? O Fato é que parecemos apáticos mesmo. E acabei descobrindo, talvez por sorte ou destino, algumas válvulas de escape, rios de corredeiras jamais paralisados: A arte. E devo hoje muita coisa a ela e ao movimento de vida que me fez criar. E acho que até no que eu fizer como jornalista, ela estará sempre viva.
Então, vou fazer, enfim, referência ao título desde post, alguém se identifica? Sim, nosso querido Tim Maia, que nunca foi "nosso", era do mundo e da sua loucura. O seu álbum mais bonito, o "Racional" (1975/1976), quando entrou na irracionalidade de uma proposta de salvação alienígena, com sua energia boa e luz intensa. Eu ouvi "Bom senso" pela primeira vez na Rádio Cultura, há 2 anos mais ou menos. Meu universo encantou-se na hora.
Ele procurava uma resposta para tudo aquilo que sentia, e não era o movimento, no sentido literal, que faltava a sua vida, era uma busca da verdade humana, aquilo que move o homem e inexplicavelmente também montanhas.
Então ele teve que subir lá no alto para ver tudo o que o movia, como diz a canção. No alto da loucura. Porque nem tudo que move é visível, assim como as estrelas estão de dia no céu e ninguém pode vê-las, pois são ofuscadas por algo maior, o sol. E isso não tem haver com nenhuma religião ou crença, é a busca na natureza humana. É a beleza de conhecer o desencanto e ver tudo bem mais claro no escuro. Acho que é a metáfora perfeita pra descrever o que viveu o Tim.
Quando se está no rio, é preciso nadar com calma, ou se deixar levar pela correnteza. E a válvula de escape dele foi a mesma que a minha, a arte. Sempre a arte. Salvadora, libertadora, conscientizadora, ilusória também. Estar vivo e em movimento requer cuidados redobrados. O modismo pode movimentar você. O Tim conseguiu se movimentar, entrou e saiu de uma cultura desconhecida, tudo inteiramente, com verdade. Construiu a vela e seguiu os ventos soprados pelo coração. Viveu de forma intensa, coisa de artista grande, onde a arte acabada superando a própria vida.
Eu considero esse estado humano de inquietação necessário e independe de qualquer década. Da influência de pensamentos sociais de cada tempo, ninguém está imune, mas a racionalidade humana não pode escravizar emoções inexplicáveis, as loucuras, pirações, que ninguém sabe se vêm de marte ou do quinto dos infernos. Tudo é a arte de saber se mexer, achar o movimento natural. O caminho do bem, sem saber ao certo o que é o bem e o mau.
Aí pode estar a resposta para tanta gente, que assim como eu, busca no passado a sua motivação para andar para frente. E também daqueles que vêem o futuro com olhos de Águia, fazendo viagens para o alto de sua verdade, e recriando, e construindo e destruindo e se fazendo hiperativos em sua época, que é agora. O que já aconteceu, está acontecendo.
Por isso, é válida a proposta de alguns músicos de Belém, em relembrar e dar uma cor renovada as noites tão monótonas de chuva, ao som Racional. Música boa eu consumo com gosto, basta apenas um contato.
Salve Tim. Salve a si. "Que beleza é saber seu nome, sua origem, seu passado e seu futuro", não é mesmo ? E então, quem sabe, daqui a três décadas eu não volte a "manivar", novamente, sobre a vã existência humana, repetitiva e inexplicável.

A Menina-Maniva está racional ultimamente. Mas o movimento de sangue nas veias é intenso, por isso nunca está imune às emoções irracionais.

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2 Comentários:

  • Às 17 de fevereiro de 2008 às 18:46 , Blogger Renato Torres disse...

    menina,

    que beleza é o teu texto, pleno de uma identificação essencialmente humana com as questões fundamentais da existência: a busca de um sentido, a lida da paixão, a função da arte. e como te colocas meio a cru (não te cozinharam por sete dias/anos?) em meio ao teu assunto, na contramão da imparcialidade jornalística, a meio caminho da prosa poética, quase resvalando na auto-terapia...! com sabor, claro... sem chatice. porque quem te conhece sabe a diversão que é estar ao teu lado, pra te ver sorrir, pra te ver cantar, pra ver o teu corpo dançar sem parar (claro que essa citação foi sacanagem minha...!). mas, como teu ex-professor (que chatice a minha!), não resistirei a te dar um toque básico: para valorizar mais ainda o texto, é sempre bom fazeres uma revisão; há alguns vacilos que provavelmente são de digitação (coisas como "imunde" ao invés de imune, e uma palavra lá que não me lembro que está com um cedilha que não existe). se estiveres com preguiça, pede pra marcota fazer pra ti - afinal, a menina maniva já ferve demais suas próprias raízes...

    te amo!

    r

     
  • Às 8 de março de 2008 às 06:20 , Blogger Guilherme Rodrigues disse...

    Olá! Achei este Blog por acaso procurando a autoria de uma frase que aparece nele: "que beleza conhecer o desencanto e ver tudo bem mais claro no escuro". Bem, comecei a ler o texto e gostei muito. Escreve muito bem! Tem uma boa opinião, soube conduzir as idéias com sapiência, tem uma ótima capacidade linguística, soube ser objetiva e fazer com que o leitor refletisse. Você resgotou toda uma época, resgotou nossa infância! O texto é genial!!! Parabéns!!!

     

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