Menina Maniva

A que veio da mandioca, a parte venenosa, com muita clorofila, que precisa de sete dias para ser digerida. Isso porque não é qualquer um que encara a "pratada": Quente, calórica e pesada. Aparência nada amigável, sabor incomparável.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Bia e o nosso tempo Chanel


-Que horas são por favor ?
-Uma e quinze da tarde no meu Chanel da 25 de Março.
Minha amiga Bianca é discretíssima em tudo. Ou melhor, em quase tudo. É contida nos gestos, nos brincos, na voz baixa, mas não no sorrisão de dentes grandes e nem na paixão por palavras da nossa difícil língua portuguesa.
Bia administra seu tempo sorrateiramente e com um jeito meigo de lidar com os minutos, quase que arrastando os instantes. Ou se têm pressa, arromba desengonçadamente a pressa dos ponteiros. A cautela de minha amiga sempre me surpreende.
Nos seus longos braços, (quase no fim do direito, para ser mais exata) existe apenas um relógio de pulseira emborrachada preta e com miudinhos ponteiros que sempre me obrigam a pedir para ela soletrar a hora ao invés de apenas me mostrar o dito cujo.
Bia gosta de ter tempo, não funciona sobre pressão. Já eu, sou uma pilha esquecida dentro de uma velha máquina fotográfica, prestes a vazar sua química positiva e negativa. Mesmo parada, se tiver sobre pressão, jorro logo as energias intensamente. A minha amiga perdoa sempre minha euforia e meus enormes relógios, minhas enormes bolsas, meus enormes gestos, minhas enormes mancadas, minhas enormes lágrimas.
No passado as pessoas tinham a real medida do tempo, nos seus relógios de corda. Hoje, a corda aprisiona os pulsos e dita o ritmo da passada.
Ah, lembrei de um trecho de uma música linda dos Mutantes, "O Relógio":
"Meu relógio parou/ Desistiu para sempre se ser antimagnético/ Vinte e dois Rubis
(...)
Não andou e eu chorei/ Dois ponteiros parados a rir: Era a prova d'água/ Vinte e dois Rubis."
É bem isso. Não adianta chorar, é perda de tempo. Eu coloco fé nos meus relógios falsos, pirateados, belos e dourados e não na verdade do tempo que vivo.
Bia sabe da importância de cada segundo, em sua sábia visão de "raio x" para os ponteiros, quase que nunca perturbados, sempre ali como mero enfeite. Eu faço do meu tempo um espetáculo fantasioso, ainda bem que ela não se deixa influenciar tão fácil.
Nas ruas da cidade os camelôs anunciam a nova moda do tempo grande, do relógio branco, Chanel-chamativo. E as moças todas fazem do seu braço um relógio público de seu tempo falso. O meu Chanel está descascando, já está aparecendo o metal barato, de tanto que usei. E ele já vai assumir sua verdadeira função de coadjuvante na minha prateleira de acessórios.
Com o natal chegando as caixas pequenas em baixo da árvore já carregam uma grande expectativa temporal: "Pode ser um Chanel lindo branco daquele, Mãe, que eu tanto tava querendo."
E o que vou dar de presente no Natal para minha amiga Bianca ?
Um pedaço dos meus dias, da minha aflição, do meu ritmo atemporal, em forma de Clepsidra, um relógio de água, perfeito para ser usado em Belém do Pará. Um Chanel nem combina tanto com o seu jeito luxo-discreto de ser.
Bia respeita o seu próprio tempo, ainda mais quando está tudo nublado. Vai me dizer a hora certa mesmo na tempestade, fazer de minhas lágrimas motores de tempos melhores. E quando estivermos reclamando do tempo dos homens, da sua agonia ou covardia, teremos tempo de sobra para desabafar esses dolorosos e passageiros, desencontros de ponteiros.
Vinte e dois Rubis em um relógio a prova d'água não valem de nada.
Vinte e duas lágrimas em um Clepsidra podem mudar estações.

Obs: A Menina Maniva nunca consegue esperar até a meia noite para começar a trocar os presentes. O encontro dos ponteiros pode demorar uma eternidade ou a primeira lágrima.

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