O Circo está armado
O Entroncamento ganhou uma nova cor esse mês. A entrada da "Br-316", a saída da cidade, a volta para a casa, a ida para a universidade, todos passam inevitavelmente por ali. O encontro de gente, de mercadoria barata, veículos de diversos tamanhos e fumaça. E além deles, este mês, os trailers, a lona multicolor, a iluminação, os aprendizes de palhaços nos sinais, vendendo suas bugigangas feitas artesanalmente. Assuma que eles até arrancaram um dia o dinheiro do seu bolso. Claro, você estava ajudando o próximo, dando mais um pingo de alegria, mesmo que eles não arranquem um sorriso seu sequer.
O Circo. O tamanho imponente carrega toda magia, esta que um dia foi considerada a sua maior proteção. A magia dos olhos infantis, da família reunida na platéia. A magia de alguns instantes protegidos da loucura, da realidade. E sempre que um circo chega a cidade é uma sensação nova, mesmo que o sorriso esteja acostumado, ensaiado, na maioria das vezes.
E em Belém só existe um lugar para acomodar a arte circense: O Entroncamento. Isso mesmo, onde toda a realidade se encontra, e também se desencontra, nascendo e morrendo a beira da avenida. Local perfeito para artistas que vão onde o povo está, mas que se tornam quase uma enclave dolorosa da magia, no mundo real. Magia cada dia mais real e descoberta pelos "Mr. M's", mágicos frustrados e confusos que alimentam os olhos mais céticos nesse mundo que às vezes parece Matrix.
Uma pena os palhaços ainda não terem desenvolvido a inteligência de "NEO" (persongem principal do filme Matrix), para ultrapassar as barreiras das dimensões entre real e o irreal. O preço que eles pagam pela sua verdade mágica, não se paga com as lágrimas coloridas desenhadas no rosto. Tem que concentrar lágrima humana, salgada. Eles, e mais todos os artistas, são jogados na realidade. Eu sei que eles também fazem da arte meio de sobrevivência, de ganhar dinheiro. Sei que lamentam quando um espetáculo não teve o público esperado, a bilheteria não lucrou. Todos sabem do seu papel, mas também sabem do devido valor social da magia que eles divulgam, seja nas fronteiras mais contraditórias, seja nos sertões mais secos, seja nas cidades mais frias. Alimentam algo que existe tanto na ficção quando na realidade, mas que dinheiro não compra: o sonho
Você pode estar pensando: "Nossa, que discurso mais clichê o da Menina Maniva. Só falta agora ela citar a Xuxa, aconselhando os baixinhos." Pois é, a Menina Maniva também é clichê quando todo o resto tenta ser diferente de forma forçada. Nesse circo eu já cansei de ser palhaça. É hora de subir cada vez mais alto no trapézio e começar a tirar as redes de proteção. Não há nada que nos proteja mais do que um sonho alimentado.
Foi esse, talvez, o maior erro do Circo Portugal, que já está se despedindo da nossa cidade. Acabaram criando uma relação com essa terra, fizeram amigos, fizeram propaganda no maior veículo de comunicação local, fizeram quase 200 espetáculos, e uma "caixa poupança" para antes da próxima temporada, um mês de férias, quem sabe. Alimentaram sonhos em alguns e ganância em outros. Esqueceram que não tem a rede de proteção do "Circo Du Soleil".
Então, despertaram a atenção dos artistas sociais discriminados, que também adoram aparecer na matéria de Tv, e querem um lugar nesse picadeiro da exaltação à ignorância humana. Esses artistas frustrados, que não falam o idioma do "Mr. M" e nem aprenderam técnicas de mágica na escola, e muito menos tiveram o jogo do "Gugu-mágico" quando crianças. Armam o seu circo todos os dias e se armam para defendê-lo. Por isso, trataram de mostrar a realidade para aqueles que teimam em disseminar esses sonhos clichês de fantasia e alegria.
Conseguiram. O feito estampou os jornais, foi a notícia da semana. A alegria incontida de todos os astros do simpático Circo Portugal, se calou. A bilheteria de tantos sonhos alimentados foi saqueada. Quase 20mil reais de um trabalho árduo, que poucos humanos são capazes de atingir. A proteção da lona me parece ingênua nas mãos dos artistas marginais das ruas. Eles sabem muito bem quais truques fazer, a hora certa de agir e por onde fugir, bem mais que qualquer malabarista. E não tem medo do globo da morte ou do leão enjaulado. Quanto maior o perigo, maior o espetáculo. O que importa é estar no picadeiro, seja matando sonhos ou corações humanos.
Felizmente, ninguém do Circo Portugal ficou ferido. Os artistas marginais devem estar comprando o aparato necessário para o próximo espetáculo. Nos olhos dos artistas sonhadores, que viajam pelo Brasil em busca de vida, sorrisos e sonhos para alimentar, a decepção foi mostrada na mesma tela que fez a propaganda do espetáculo circense na cidade. Em alto e bom som. Então, eles (os artistas-jornalistas) tiveram a sua devida recompensa, o furo jornalístico em cima das demais emissoras e em cima da tristeza desses artistas.
O Circo Portugal também furou a própria lona nessa história toda. Alimentaram sonhos de uma cidade para depois nunca mais ter vontade de pisar nela. Seremos uma "enclave" dolorida na história deles: Dez anos de estrada, o primeiro assalto. E eles têm toda a razão em não querer voltar a essa realidade que estamos acostumados. Outros artistas já tomam conta do pedaço. E o Circo está de malas prontas, voltando pela mesma estrada, nunca estiveram tão perto da saída. Vão reconstruir e alimentar, agora, os próprios sonhos e assim, a segurança da alma, no artista que jamais se sente derrotado. Dinheiro vai e vem, sonhos que vão não voltam.
A Menina Maniva coloca uma lona na mente para proteger a fantasia. Mas quando está na rua, é preciso recolher a ingenuidade e se vestir a caráter. Artistas marginais podem se misturar facilmente aos artistas sonhadores.
Aviso: A maniva é veneno, basta não cozinhar, e a lona pode virar um saco asfixiante, se precisar.
2 Comentários:
Às 21 de fevereiro de 2008 às 12:36 , Denys disse...
Opa!
A magia quebrada... =o
Às 17 de abril de 2008 às 09:43 , Maysa disse...
Nossa menina maniva adorei teu blog. Vou arrumar um tempo pra ler tudo, mas o que li no começo foi o suficiente para me estimular a voltar. Parabés.
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