Nossos amigos dentro da tela
Um ano foi o suficiente para mudar meu olhar diante da Televisão. Sim, um ano por trás das câmeras e experimentando vez em quando ir "papagaiar" na frente dela. Deslumbres, cobranças, padrões de beleza, egos. A Tv é um misto de prazer e agonia. Só quem vive dentro dela sabe do que estou falando.
Os mecanismos necessários para um programa ir ao ar, são bem mais do que uma câmera na mão e um rostinho bonito que se comunique razoavelmente bem. Depois que você aprende que nem tudo é verdade, que reconstruir uma notícia ou fazê-la mais impactante depende apenas de um gesto do apresentador, ou um corte de câmera, ou uma palavra, o olhar já fica treinado para o que a Tv quer te dizer naquele instante. É isso que mais me instiga nesse veículo, o que eu vou dizer e o que os outros vão sentir. Me cutuca também, me incomoda, me deixa insegura se o cabelo está desarrumado, e ainda mais se a frase pode parecer mal colocada. O erro é erro sempre, mas é também efêmero. O acerto pode ser lembrado por alguns, mas não é bom se iludir, é bom procurar acertar como se quisesse não errar, se mantendo no eixo tênue, como o existente entre a tela e o controle remoto. Não é bom mudar o canal. Encontrar a frequência e ajustar a imagem é o desafio.
Quando eu comecei a assistir "Queridos Amigos", nova minissérie da autora Maria Adelaide Amaral na Rede Globo, pensei que estaria diante de mais um sucesso de vendas em Dvd. E eu estava certa, mas algo me surpreendeu: O valor humano tão real dentro da Tela.
Pois então, é a mesma tela das ficções, dos espetáculos de brilho e horror, e agora me senti tão tocada pela fala dos personagens, todos tão reais dentro da bolha. E as canções que embalam os lamentos e euforias caem feito luva e fazem cair por aqui, umas lágrimas a mais. Fazia tempo que alguma coisa dentro da Tv não me fazia chorar alegre, sabe, aquele chorar gostoso. Acho que meu último choro televisionado foi em 11 de Setembro, naquele atentado que todos têm a cena bem guardada na memória graças a nossa querida Tv. Pois bem, agora eu posso dizer que o Léo tem me feito pensar com seus clichês humanos, com seu amor insano pelos amigos e essa vontade de resgatar o que existe de melhor dentro deles e que o tempo engoliu. Ele entende que tudo que foi plantado com verdade, não morre.
É uma bonita ironia que Maria Adelaide nos propõe: Léo parece estar a beira da morte, mas antes dela vir, quer ser eterno nas lembranças dos amigos, reascendendo o amor a vida.
Eu pensei em quantos amigos já me fizeram andar para frente, e nos passos que já dei em falso também por eles, e quanta coisa preciosa nós vivemos. E quem não teve uma amiga esotérica, um amigo politizado intelectual, ou um casal de amigos que namoraram mas não acabaram juntos no final da história? Essas coisas tão nossas, da memória afetiva, que já foram expostas em outras "n" novelas, mas que de repente tocou de um jeito novo. E estão ali, na Tv, às onze da noite, no maior canal do país.
Eu nasci no fim da década de oitenta, meus pais nunca foram comunistas. Pelo contrário, votaram no Fernando Collor. Então, não é influência deles, eu gostei simplesmente. Vi que tenho amigos que podem estar sempre reproduzidos ali. Estão dentro da bolha, mas fazem parte de nós, não de mais um capítulo. Essas coisas são raras, nem Manoel Carlos consegue com tanta perfeição, esse tipo de identificação real, só utilizando um tema "bombante" do momento, ou como Gloria Perez, com pitadas de pôlemica. "Queridos Amigos" se sustenta com matéria humana.
Eu gostei das palavras duras, sangrentas, misturadas com momentos adocicados. Da entrega dos atores, da beleza da trilha, a perfeição dos enquadramentos de cena e até mesmo dos clichês que devem fazer o Dvd vender horrores, quando sair.
E mais: Eu nunca tinha visto a Tv ser tão questionada dentro dela mesma. Quem acompanha pode notar que em quase todos os capítulos aparecem cenas onde os personagens assistem o telejornal, ou algum programa de música. E sempre alguém questiona: "Porque você está assistindo isso?" Lembrei agora de uma cena em que Lena diz para a filha: "Tas vendo novela menina? Já não está na hora de dormir ? Vai ler um livro, é melhor."
Esse trecho é a prova de que Maria Adelaide conseguiu burlar o sistema através de metáforas, metendo um clichê aqui, outro ali, tal qual fez Chico Buarque com suas canções na época da ditadura, na mesma época dos personagens de "Queridos Amigos". Mas ela está fazendo isso hoje, quase trinta anos depois. Isso tem de ser exaltado, louvado! Questionar o conteúdo disseminado pelas novelas na maior produtora e exportadora de novelas da América Latina é no mínimo ousado.
Não precisa trabalhar no veículo para entender que a autora deu um tiro certeiro, tanto no público alvo, quanto na emissora. Mas talvez as mensagens subliminares de questionamento dos conteúdos televisivos só poucos percebam. Normal, comunicar em Televisão têm dessas coisas, um formato, várias ondas, reverberação e emoção, seja ela pura ou inventada, ou ainda recriada para atingir o que é real na gente, aqui, do lado de fora. A minha personagem ainda não tenho certeza quem seja.
Um dos motivos para ver "Queridos Amigos", é um diálogo como esse:
-Lena: Léo você é meu melhor amigo, irmão, afeto assim é muito raro, muito precioso para o sexo colocar tudo a perder..
-Léo: Por que o sexo coloca tudo a perder?
-Lena: Porque o sexo subverte, tira a espontaneidade, cria expectativas, confere poder..não gostaria de te odiar só porque você não fez o gesto que eu esperava ou não disse aquilo que eu queria ouvir.. .somos humanos.
A Menina-Maniva está dormindo mais tarde esses dias. Depois que "Queridos Amigos" acaba, vai ler um livro, emocionada.
Marcadores: Emoções, Queridos Amigos, Televisão
4 Comentários:
Às 8 de março de 2008 às 19:48 , Vanessa Libório disse...
Adorei a frase: "Ela entende que tudo o que foi plantado com verdade não morre!" Acho isso tão exato quantos as fórmulas de equações matemáticas...Como você pensei o mesmo, finalmente algo não corrompido pelo sistema na Tv... O diálogo que vc descreve no final entre Lena e Léo é a mais linda prova de que como disse Platão: a amizade é o mais nobre dos sentimentos! E sorte de quem sabe fazer e conservar uma! Bom texto!! Acho que quem tem amigos, nunca está sozinho! Beijos
Às 9 de março de 2008 às 06:32 , Unknown disse...
marcota,
sabemos oi que somos, e que nos reconheceremos em qualquer sinal dado, seja na tv, seja no coletivo, seja num sonho. teu texto evoca um sentimento que, infelizmente, nos tempos que correm, é cada vez mais raro. raro como esse olhar - que muitos devem considerar passadista, nostálgico - que para nós é confirmação de crenças, de verdades semeadas sem possibilidade de equívoco. felizes os que têm olhos pra enxergar, como já disse o mestre. eu não consigo assistir a minissérie como gostaria (minha rotina de trabalho tem sido intensa, e não aguento ficar até tarde pra assistir), mas sei do que se trata, já vi alguns capítulos, e também chorei copiosamente num deles. mas tenho os discos do mílton aqui pra me emocionar pela manhã no meu player de mp3 - e ninguém no ônibus entende aquele cara chorando na janela enquanto o sol nasce. talvez se pudessem ouvir o que ouço...:
"o que foi feito, amigo, de tudo o que a gente sonhou?
o que foi feito da vida? o que foi feito do amor?
quisera encontrar aquele verso, menino, que escrevi há tantos anos atrás!...
falo assim sem saudade, falo assim por saber
se muito vale o já feito
mais vale o que será
e o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir
falo assim sem tristeza, falo por acreditar
que é cobrando o que fomos que nós iremos crescer
outros outubros virão, outras manhãs plenas de sol e de luz..."
beijos, minha amiga,
r
Às 11 de março de 2008 às 07:27 , Luka disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Às 11 de março de 2008 às 08:00 , Luka disse...
Márcia,
Tás escrevendo muito bem, um texto bonito com momento poéticos e tal, mas não traz à tona o real questionamento sobre os meios de comunicação. Principalmente ao que tange a Tv.
Maria Adelaide Amaral não está burlando o sistema dentro da Globo, o que há é o contrário, há um consentimento do sistema para ela fazer isto. Lembras do livro que eu te indiquei logo ao entrares na Unama? O Perseu Abramo fala exatamente disso: Não pode haver manipulação sempre, pois aí é perceptível e o contrário também seria (manipulação em apenas algumas coisas).
Queridos Amigos é bonito, entretem, mas não rompe com o modelo de exploração comercial da Tv e isto é claro, se fosse o contrário não estaria na Tv aberta, mas sim no canal comunitário ou universitário em um horário inacessível.
Fico feliz ao ver que tens avançado em algumas discussões. Muito bom.
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