A que veio da mandioca, a parte venenosa, com muita clorofila, que precisa de sete dias para ser digerida. Isso porque não é qualquer um que encara a "pratada": Quente, calórica e pesada.
Aparência nada amigável, sabor incomparável.
domingo, 8 de abril de 2012
Sinal Vermelho
Aquele rosto ficou cravado no pensamento feito farpa no dedo, vidro no calcanhar. Aquele menino, em cima de uma faixa de pedestres, não era mais um que passava, ele teimava em ficar. E ficava porque precisava da atenção dos apressados motoristas que desviavam o olhar para o sádico semáforo de trânsito que teimava em avermelhar. Não existe rima apropriada para o momento, a não ser o ritmo das mãos e braços do pequeno querendo brincar. Mas a brincadeira era séria, ele precisava jogar aqueles gravetos para o alto e depois agarrar. Num piscar de olhos, o erro. A decepção não deixa o menino disfarçar. Ele joga a raiva no chão e desconta a fúria em quem continua parado. Inércia humana em plena cidade grande em movimento. Ele espera uma atitude, mas as janelas dos carros permanecem fechadas. Me faltam moedas, me sobram palavras. Tento falar, mas ele passa apressado. O sinal abriu, a buzina grita. E a vida segue jogando para o alto nossos gravetos de esperança.
Nunca quis ser jornalista. Não era um sonho de criança. Meu pai não é jornaleiro nem escritor, nem tão pouco me estimulou a ler muito e escrever. Também não venho de uma família de artistas, onde a música fazia parte das tardes ou as peças teatrais eram a programação dos finais de semana. Mas eu sempre gostei de gente, de todos os tipos. Era a líder dos grupos de trabalho, a aluna mediana que sempre foi a queridinha dos professores porque adorava as dinâmicas de grupo, os concursos de poesia, maratonas de literatura, festivais de música. Eu gostava de ver gente e que toda gente também me visse. Então, primeiro decidi que seria “Artista”. A possibilidade de fazer a Alice-loira que corre atrás do coelho, mesmo sendo morena e com cara de índia, me encantou. E não larguei mais o vício de ser “várias” e, ainda assim, eu mesma. Durante seis anos fiz parte de um grupo de teatro amador e me dedicava muito. Falar, brincar com as palavras, criar textos e improvisar me fazia mais feliz. Até que essa maravilhosa época de colégio acabou e me vi numa cidade (e num país) onde a arte como profissão não é muito valorizada. Medicina e Direito nunca passaram pela minha cabeça. Queria unir o amor pelas pessoas, pelas histórias e pelas palavras. Então o jornalismo, de início, foi a melhor opção. Mas logo na faculdade me vi em um dilema: como fazer meu olhar de artista escrever com linguagem jornalística? Um professor trouxe-me a luz no fim do túnel: “Márcia,o espírito do jornalismo e a poesia, inclusive a de viver, não são excludentes, pelo contrário. Acontece, apenas, de ela precisar ser transmitida através da linguagem mais simples e direta o possível. Isso é um senhor desafio.” E eu aceitei-o. Desde então, luto para colocar assim, como nesta página, um pouquinho de sabor nas reportagens que escrevo, anuncio ou edito, nesse começo de caminhada tão intenso. Ponho o sabor da rua onde vivo, das lembranças na memória, de tudo o que a língua degusta e nem sempre é decifrável. Falo dessa poesia de viver que não tem a pretensão de ir além do instante. E informar, para mim, é repassar esse instante com verdade, sem entregar o ouro que está no pensamento de quem lê, assiste e ouve. É deixar cada um terminar a história que a gente começou. E eu, quem diria, comecei a ficar ansiosa um dia inteiro por aquela palavra que não caiu bem e passei noites acordada por um parágrafo que faltou, por uma respiração errada ou um tom perdido no meio da frase. Aí então, pude ver que essa arte é tão difícil quanto encarar uma platéia. Assim como o ator faz os chamados “laboratórios” para construir o personagem, eu preciso entrar no mundo de cada história que vou recontar. E improvisar pautas, maquiar com belas palavras gente comum, e ainda brigar por um lugar nesse palco tão cheio de egos. A possibilidade de ser a voz de “vários” me pegou de vez. Perceber isso, me fez acreditar menos ainda em rótulos e testes de vocação. E quero ampliar essa paixão, aprender cada dia mais. Cair de pára-quedas numa redação de jornal impresso, como um bebê que acabou de sair da barriga da mãe. Ter a sensação incômoda e maravilhosa de ver a luz pela primeira vez, sem saber do longo caminho que ainda virá a seguir. Essa profissão é apenas um dos meus sonhos grandes. E quero sonhá-lo de todas as formas, até a última gota de sono, para que no dia em que acordar, ter palavras suficientes para um livro, ou uma canção desastrada. Ou até, quem sabe, voltar para os palcos: “Monólogo de uma ex-jornalista” - Com Márcia Dantas, uma atriz cansada dessa vida de certezas. É, eu nasci para ser “Jornar-tista”, já entendi. Aceito. Agora cabe a quem lê uma pitada de simpatia nos olhos. Não sou boa com pedidos. Ou como se diz pelo Twitter: #Ficadica,#Partiu.
A minha Tulipa negra floresceu numa manhã de sol de domingo. Éramos dois apaixonados sedentos de toda a alegria e romantismo que essa flor poderia trazer. Algumas ligações, alguns quilômetros rodados, palavras trocadas, visitas, e a decisão: Seria uma Tulipa mesmo, a única flor com orgulho de sua cor, forte.
Não estava nada preparado para sua chegada. Gostamos de coisas assim, com emoção. E ela, moleca flor, ao perceber que já estava plantada em novo território não se intimidou. Conquistou novos ares, balançou com o vento e fez desse lar sua terra adubada. Inspirou sorrisos, sustos, raiva. Cresceu tão rapidamente... Como planta regada todos os dias.
E então, percorreu a casa, criou raízes profundas e sem volta.“Aqui é o meu lugar”-pensou. Um lugar carinhoso que guardava no passado um grande perigo. Tulipa negra era destemida, adorava cheiro de mato, farejar o desconhecido, cavar em busca de tesouros. Essa ânsia pelo novo, fez do lar um inimigo.
Porque outro ser destemido, e não menos poderoso já tinha passado por essas bandas. Tulipa nem desconfiava. Infelizmente ele partiu antes do esperado, e deixou um fardo bem guardado e enterrado, no fundo do quintal.
Numa das escavações, a pequena grande Tulipa negra suspirou tal veneno. E sem nos avisar, orgulhosa que é, sentiu tudo sozinha, até não poder esconder mais.
Cada pétala começou a perder a cor, e em seguida cair... Os apaixonados começaram então uma corrida contra o inanimado. “Vamos continuar regando, amor” Insistiam.
Tulipa negra estava com as pétalas contadas. Havia receita de remédio pendurada na parede do quarto, dedicação em cada gesto e muita esperança nos olhos dos apaixonados. Flor é coisa preciosa para eles.
Consultaram todos os sábios que diziam saber tudo sobre esse tipo de planta, sobre a cura para o tal veneno. Quanta bobagem. Fardo assim, nem magia negra resolve, pequena flor.
E eles que nem acreditavam em mistérios, nem em remédios milagrosos, decidiram tentar de tudo. Afinal, para quê se rega uma planta, se não para vê-la crescer, criar novos galhos e atrair olhares admirados? Pena que Tulipa era pequena demais, não havia florescido o suficiente para criar seus próprios espinhos e combater o mal. Tanta pureza e negritude escondiam uma natureza frágil.
E não tão menos frágeis eram os corações dos apaixonados. Que ora se encharcavam de esperança, outrora de dor. Tulipa revirou tudo dentro deles. Marcou a pele, as roupas, os sapatos, a memória. As noites de pouco sono e os dias longos tinham valido a pena. Não havia do que reclamar. Flores são sempre generosas.
Para que a tempestade não devastasse o que restava de doçura em Tulipa, eles pensaram em cortar o mal pela raiz. A coragem faltava e as lágrimas escorriam. “Tulipinha, Tulipinha, você não merecia tudo isso”, pensavam.
Mas cada dia passava cada vez mais difícil. Tulipa já pouco parecia com aquela que desbravou nosso lar e nossas vidas. A flor estava murchando.
Depois de mais última noite mal dormida, a esperança se foi. Seria a decisão mais difícil dos últimos tempos. Eles não suportavam mais tanto sofrimento, nem Tulipa. Algumas ligações, alguns quilômetros rodados, palavras trocadas, e a decisão: Assim será melhor, Tulipa é planta, florescerá em qualquer lugar do universo.
E quando chegou ao céu, uma surpresa: Um jardim só de flores negras, bem ao lado de Deus, a esperava.
A Menina-Maniva regou muito a plantação hoje. Lágrima para lavar a terra, adubo para novas flores.
Queria eu saber ainda, depois de tanto tempo, pensar como a Menina Maniva. Lembro como era revisar milhares de vezes as mesmas palavras, trocar algumas de lugar, usar sinônimos e sempre se sentir bem ao fim do texto-efeito-borboleta. Hoje, por acaso, li algo que me deu vontade de enfeitar de novo este blog de emoções. Quem sabe voltar a trabalhar em mim, o que há tempo se esconde, ou também troca de lugar, feito palavra dita todo dia só para cumprir tabela, preencher linha. Desnecessária. Meus dias andam assim, necessários demais para uma palavra sem lugar. Para lembranças que não trabalham mais a memória. E então para que serve tanta lembrança, e tanto texto escrito e coisa sentida, se não para ativar esse redemoinho, ou melhor, acordar esse vulcão adormecido, que guarda chamas ferventes, mas por fora está coberto de neve e calmo. É importante reler também o que está por trás das palavras.
Eis a pílula, meu "Viagra sentimental" de hoje : (não perdi o senso de humor)
"O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7"
Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você. Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.
Essas imagens-metáforas, esse sentimentalismo cheio de verdade, esses jogos de palavras, me fizeram relembrar o tal "trabalhar a emoção" que tanto fazia a Menina Maniva. Que por tão pouco era ativado e por tanto ficou adormecido. Queria eu despertá-lo de novo. Queria eu transformar esses dias de trabalho árduo em textos cheios de fúria. Porque não? Decidi que preciso voltar a exercitar o que me faz sentir viva de verdade.
A Menina Maniva está de folga no dia do trabalhador. Porém foi despertada do sono dos justos, para mais uma jornada de trabalho pesado em seu infinito particular.
Voltar ao passado é uma viagem sem volta. Como se cada lembrança fosse um pedaço de si e ficasse grudada à cena, praticamente um quebra cabeça do "Mapa Mundi". O presente retoma, em seguida, as rédeas da vida, com um olhar diferente. Quanto mais pequenas, curtas e tardias as lembranças, mais difícil encaixar a peça no lugar. Constantemente me vejo a mesma criança de 10 anos atrás. E o espelho já mudou de endereço pelo menos 5 vezes. Mas o olhar não faz aniversário, não canta parabéns e nem apaga velhinhas. Sempre que se revira ao iluminado espelho, meio de canto, para não se assustar, nem cegar a visão, pisca para o passado e faz um pedido: "Só me chame para sorrisos". E com tanta coisa escondida é preciso remexer, tirar o pó e os insetos que já construíram moradia por lá. O olhar é preguiçoso, gosta de dormir e fechar as cortinas em plena manhã de sol. Certa vez consegui enganá-lo. Coloquei grandes holofotes dentro do espelho, pintei um sol e poucas nuvens de batom vermelho. Mandei o passado sorrir de canto e pronto: Lá estava o olhar dentro das profundezas do espelho. Não era dia, nem fazia sol de verdade, ele caiu na farsa. Olhou profundamente, o grito não conseguiu quebrar tantas amarras da memória, ninguém podia salvá-lo de si mesmo. A viagem era longa, os holofotes de alta potência, a memória imensa. "Oi menina, quanto tempo não te encontrava! Você mudou tanto!", falou com espanto. E o eco revirou as paredes sujas de dores, acordou amores, jogou água fria nos sonhos adormecidos, fez canção com os versos perdidos. Não, ninguém respondeu, não há diálogo entre som e luz. O reflexo volta com a forma que se imagina, com a imagem desenhada pelas lembranças traiçoeiras, nunca acredite nele. Ninguém me escreveu cartas como em "O Mundo de Sofia" e eu não quis fazer perguntas existencialistas. O olhar voltou com as respostas que precisava e com a idade que o dia merecia. A sensação de rastrear as lembranças é estranha, todas as imagens surgem de uma vez, como um tornado que suga os campos verdes. A minha plantação é vasta e solta ao vento, pode ser visitada por qualquer olhar e servir de presente para o tempo presente. Servir de holofote para cada nova idade. Agora, já apaguei as farsas do espelho. Deixo os caminhos de luz abertos, assim como os olhos, sem medo das lembranças. A fantasia do "espelho, espelho meu" já perdeu a graça. Não quero nenhuma mágica que mostre o próximo passo sem que a pegada anterior esteja bem gravada no solo da memória.
A Menina Maniva não floresce em estufas. Não cabe em vasos. Não reflete o inanimado. Mas tem o olho do furacão.
Uma sensação de bem estar, um aperto no peito que você não sabe da onde vem. Como quem mastiga o primeiro pedaço de um chocolate alpino, seu cérebro libera aquelas substâncias que só o DrauzioVarela sabe o nome. E entre gozos solitários, suspiros e calafrios na espinha, as curvas dos sonhos ficam mais longas. Como chegar até o fim? É preciso descobrir a rota certa e não é qualquer bússola que mostra o caminho. Até porque o norte nem sempre é tão quente assim e calor pode sufocar. O cruzeiro do sul está no céu e o prazer é terreno. Para entender como funcionam seus próprios estímulos não adianta recorrer a astrologia, numerologia, cartomantes. E nem sessões no psicólogo revelam o que está mais no corpo do que na mente. Dominar seus instintos é mais difícil do que se imagina. Os sinais podem vir de onde menos se espera. Dentro do elevador, um olhar arrebatador. No troco do supermercado, uma mão macia. No ônibus, um perfume doce feito o doce da batata doce. E então, rapidamente, tudo vai fazendo sentindo, ligações peptídicas se criam no cérebro, mas isso não importa nem para os neurologistas. Eu não estou falando de ciência aqui e sim de instinto natural. Saber por onde vai a rota do prazer é abrir o baú do Silvo Santos. E não se culpar se lá dentro o maior tesouro tiver menos de 1,80 de altura, olhos verdes e braços roliços. Entender que a atração humana independe de estereótipos. Para começar a traçar sua rota, faça uma árvore genealógica de suas conquistas. Sim, pode começar por aquele "quatro-olhos" da infância, que te deu um ursinho de pelúcia com o seu apelido e você se apaixonou. Depois, encontre em cada um o que mais te atrai, partindo para a fase da puberdade, é claro. E então, comece a perceber quanta semelhança pode existir entre eles, ou não. Quantos biotipos diferentes te fizeram enlouquecer, seja sentimentalmente ou sexualmente. Ah, é bom separar mesmo essas duas coisas, porque essa rota, repetindo, nem sempre acaba no castelo da Cinderela. Caminhos urbanos e cheios de dependências químicas são experimentados e a gente passa despercebido. Eu entendi que me envolvo muito mais pelo cheiro do que pelo toque, por exemplo. Aprendi que minhas costas sustentam além de minha coluna todos os meus desejos. Mas não aprendi a controlar impulsos, domar a língua. Normal. A Menina-Maniva é feita de imprevistos. Outra coisa importante é fazer o outro achar a sua rota e querer andar por ela. E quando isso acontece, milhares de caminhos se abrem... E então você perde todo o rumo que levou anos pra traçar.
A Menina-Maniva é encorpada. Os prazeres são intensos, as rotas chegam longe.
Aqueça, adicione água para dissolver e deixe ferver por alguns minutos. Despeje no prato e deguste. Não há nada de novo na geladeira. Não há nada de sólido no estômago. "Pronto, está com cheiro de novo, pode provar..." Será? Comida requentada é assim: O sabor fica por conta da lembrança do paladar do dia anterior. Se tratar-se de um caldo, sopa leguminosa ou carne assada de panela, é bom pôr a imaginação para funcionar. Ou, acrescente amor e um "Sarzon", é claro. Agora, começo minhas tradicionais metáforas. Desculpem, mas sempre comi com os olhos a maioria dos pratos diários e as palavras mastigam as inconstâncias humanas, alimentando a constante de sentir fome. Em busca de prazeres que desconheço, que não sei se serão saciados por necessidades básicas ou por aquelas inventadas. Uma paixão que nunca ferveu, por exemplo, não pode ser requentada. Não adianta insistir. Horas no fogo serão em vão. A panela não absolve o calor, o caldo evapora mas não engrossa. E pensamentos também evaporam, sonhos vão ralo a baixo, temperos são desperdiçados. Fica o cheiro de lembrança no ar, mas não se deixe enganar... Assim como não se derrete o sorvete para tomar o suco, não se ferve o coração para dar sustância ao amor. E ainda há quem acredite que os dias na gelareira apuram o sabor da comida... Sentimento congelado só apura dor. Este ano, meu Círio foi diferente dos outros. Não comi "Pato no tucupi", não fui ao Ver-o-Peso, nem ao "Arrastão do Pavulagem". Comi minha Maniva em plena quarta-feira, rala, só para não deixar morrer a tradição que resta em mim. Para alimentar a alma de menina-verde, cansada de paixões requentadas, de gente pré-cozida. Existem pratos que só se comem quentes. Existem sonhos que só se sonham uma vez. Não tenho microondas em casa, mas minhas metáforas estão mais vivas do que nunca. Reaquecem o prato diário também através dos olhos. Por eles observo e registro as cores dos ingredientes humanos. A dor misturada com o riso desesperado nos olhos do Pai. A dor exposta na pele da mãe. O quarto lotado de infância, adolescência e juventude, numa geração de irmãs. É preciso comer de olhos bem abertos nessa vida doida. Mas é bom mastigar e fantasiar de olhos fechados. E com tanta variedade na mesa, a gente até esquece a sobremesa... A paixão que tentava ser comida novamente, já perdeu espaço no estômago.
A Menina-Maniva tem os quatro sentidos aguçados. Se o paladar falhar, o olfato desvenda. E de olhos fechados comanda o canto das palavras.