Menina Maniva

A que veio da mandioca, a parte venenosa, com muita clorofila, que precisa de sete dias para ser digerida. Isso porque não é qualquer um que encara a "pratada": Quente, calórica e pesada. Aparência nada amigável, sabor incomparável.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A rota dos prazeres

Uma sensação de bem estar, um aperto no peito que você não sabe da onde vem. Como quem mastiga o primeiro pedaço de um chocolate alpino, seu cérebro libera aquelas substâncias que só o Drauzio Varela sabe o nome.
E entre gozos solitários, suspiros e calafrios na espinha, as curvas dos sonhos ficam mais longas. Como chegar até o fim? É preciso descobrir a rota certa e não é qualquer bússola que mostra o caminho. Até porque o norte nem sempre é tão quente assim e calor pode sufocar. O cruzeiro do sul está no céu e o prazer é terreno.
Para entender como funcionam seus próprios estímulos não adianta recorrer a astrologia, numerologia, cartomantes. E nem sessões no psicólogo revelam o que está mais no corpo do que na mente. Dominar seus instintos é mais difícil do que se imagina.
Os sinais podem vir de onde menos se espera. Dentro do elevador, um olhar arrebatador. No troco do supermercado, uma mão macia. No ônibus, um perfume doce feito o doce da batata doce. E então, rapidamente, tudo vai fazendo sentindo, ligações peptídicas se criam no cérebro, mas isso não importa nem para os neurologistas. Eu não estou falando de ciência aqui e sim de instinto natural.
Saber por onde vai a rota do prazer é abrir o baú do Silvo Santos. E não se culpar se lá dentro o maior tesouro tiver menos de 1,80 de altura, olhos verdes e braços roliços. Entender que a atração humana independe de estereótipos.
Para começar a traçar sua rota, faça uma árvore genealógica de suas conquistas. Sim, pode começar por aquele "quatro-olhos" da infância, que te deu um ursinho de pelúcia com o seu apelido e você se apaixonou.
Depois, encontre em cada um o que mais te atrai, partindo para a fase da puberdade, é claro.
E então, comece a perceber quanta semelhança pode existir entre eles, ou não. Quantos biotipos diferentes te fizeram enlouquecer, seja sentimentalmente ou sexualmente. Ah, é bom separar mesmo essas duas coisas, porque essa rota, repetindo, nem sempre acaba no castelo da Cinderela. Caminhos urbanos e cheios de dependências químicas são experimentados e a gente passa despercebido.
Eu entendi que me envolvo muito mais pelo cheiro do que pelo toque, por exemplo. Aprendi que minhas costas sustentam além de minha coluna todos os meus desejos. Mas não aprendi a controlar impulsos, domar a língua. Normal. A Menina-Maniva é feita de imprevistos.
Outra coisa importante é fazer o outro achar a sua rota e querer andar por ela. E quando isso acontece, milhares de caminhos se abrem... E então você perde todo o rumo que levou anos pra traçar.

A Menina-Maniva é encorpada. Os prazeres são intensos, as rotas chegam longe.

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quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O que não pode ser requentado...


Aqueça, adicione água para dissolver e deixe ferver por alguns minutos. Despeje no prato e deguste. Não há nada de novo na geladeira. Não há nada de sólido no estômago.
"Pronto, está com cheiro de novo, pode provar..." Será?
Comida requentada é assim: O sabor fica por conta da lembrança do paladar do dia anterior.
Se tratar-se de um caldo, sopa leguminosa ou carne assada de panela, é bom pôr a imaginação para funcionar. Ou, acrescente amor e um "Sarzon", é claro.
Agora, começo minhas tradicionais metáforas. Desculpem, mas sempre comi com os olhos a maioria dos pratos diários e as palavras mastigam as inconstâncias humanas, alimentando a constante de sentir fome. Em busca de prazeres que desconheço, que não sei se serão saciados por necessidades básicas ou por aquelas inventadas.
Uma paixão que nunca ferveu, por exemplo, não pode ser requentada. Não adianta insistir. Horas no fogo serão em vão. A panela não absolve o calor, o caldo evapora mas não engrossa.
E pensamentos também evaporam, sonhos vão ralo a baixo, temperos são desperdiçados. Fica o cheiro de lembrança no ar, mas não se deixe enganar... Assim como não se derrete o sorvete para tomar o suco, não se ferve o coração para dar sustância ao amor.
E ainda há quem acredite que os dias na gelareira apuram o sabor da comida... Sentimento congelado só apura dor.
Este ano, meu Círio foi diferente dos outros. Não comi "Pato no tucupi", não fui ao Ver-o-Peso, nem ao "Arrastão do Pavulagem". Comi minha Maniva em plena quarta-feira, rala, só para não deixar morrer a tradição que resta em mim. Para alimentar a alma de menina-verde, cansada de paixões requentadas, de gente pré-cozida. Existem pratos que só se comem quentes. Existem sonhos que só se sonham uma vez.
Não tenho microondas em casa, mas minhas metáforas estão mais vivas do que nunca. Reaquecem o prato diário também através dos olhos. Por eles observo e registro as cores dos ingredientes humanos. A dor misturada com o riso desesperado nos olhos do Pai. A dor exposta na pele da mãe. O quarto lotado de infância, adolescência e juventude, numa geração de irmãs.
É preciso comer de olhos bem abertos nessa vida doida. Mas é bom mastigar e fantasiar de olhos fechados.
E com tanta variedade na mesa, a gente até esquece a sobremesa...
A paixão que tentava ser comida novamente, já perdeu espaço no estômago.

A Menina-Maniva tem os quatro sentidos aguçados. Se o paladar falhar, o olfato desvenda. E de olhos fechados comanda o canto das palavras.

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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A concha


Minha mãe me falou que a coisa mais legal do casamento é dormir junto, dividir a cama. Cada um no seu espaço, com a autonomia de unir os corpos a hora que quiser. E depois de um tempo vem o costume do corpo ao lado, a necessidade de tocar alguém que você sabe que está num sono profundo, longe, e ao mesmo tempo muito próximo. Um conforto para alma, segundo minha querida Mother.
Com um namoro longo na bagagem e algumas noites mal dormidas, descobri a forma de dormir quase sentindo o corpo todo do outro: A concha. Aquela que abre e fecha perfeitamente, encaixa, e guarda as melhores pérolas no escuro da noite.
Dormir fora era utopia na adolescência. Hoje, basta avisar. Basta encontrar uma concha disponível. Mas nem todo bom amante sabe dormir junto. Dividir o sono é quase uma arte que requer prática e tato, muito tato. É bom evitar movimentos bruscos, respirações profundas, gases dispersados sem querer. Puxar o lençol, passar as pernas por cima do outro ou roncar, nem pensar.
Na concha qualquer sussurro é amplificado. Ele está ali, ao pé do ouvido, te contando com a respiração todo o cansaço do dia. E você se sente a mais preciosa jóia, em estado bruto. Nua e protegida.
Passam as horas, a madrugada toma conta, a concha se movimenta. É bom saber amansar o mar dos lençóis junto com ela, deixar-se levar ou não sonhar jamais. Para dormir a dois, engana-se quem pensa que o mais importante é não incomodar o outro. O que vale é estar com os sentidos aguçados, com o corpo pleno.
E depois que sono profundo chega, dependendo da troca de energias e sensações, podem vir sonhos bandidos, sexuais ou uma revirada na cama com direito a suor na testa. Ah, o corpo gruda no outro, depois de um tempo. Será que é pra desgrudar e correr o risco de acordar? Só se for para procurar mais sono no corpo do outro, cansar, e depois sonhar acordado. Essa equação ultrapassa a simplicidade do “dois mais dois”.
Bom, para casar é preciso encontrar a concha perfeita, minha Mãe está certa. Não que eu esteja pensando em casamento, que fique claro. Acho que isso é saudade de ter uma concha. Existem muitas no mar, porém, poucas dispostas a se abrir e encaixar.

A Menina Maniva é espaçosa, não sabe ainda dormir a dois. E nem é muito chegada a mariscos, a não ser que a concha guarde uma pérola verde-maniçoba.

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