Menina Maniva

A que veio da mandioca, a parte venenosa, com muita clorofila, que precisa de sete dias para ser digerida. Isso porque não é qualquer um que encara a "pratada": Quente, calórica e pesada. Aparência nada amigável, sabor incomparável.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Os fantasmas do desencontro

Ela entrou no carro. E aquele mesmo sorriso de sempre, ele já conhecia. Indo para a casa dele, (o mesmo caminho de outros encontros) escutavam uma legião de sensações embutidas em canções que pareciam dominar o momento a dois.
Ela queria um grande amor, como os de telenovela.
Ele queria a cura de um amor, que foi maior do que o coração poderia um dia imaginar.
A cama, os cheiros, o filme que não assistiram, foi o resumo da última noite que ela tentou ser feliz ao lado de quem não está feliz.
Inteira e nua na cama, pensou que poderia pegar suas coisas enquanto ele tomava banho, ir embora caminhando e chorando. Pensou, mas o impulso sempre foi seu guia. Quando deu por si já estava na porta do banheiro, tentando criar um diálogo, uma solução explicativa para tanto desencontro. E olha que ele sempre dizia que o corpo dela tinha cheiro de encontro.
Depois de tirar esse cheiro impregnado no corpo, ele era outro homem. O tom de voz mais grosso, a amargura nos olhos e muitas palavras sinceras e doloridas saindo do coração pela boca. Como se o sexo, ao invés de leva-lo ao êxtase, trouxesse de volta a realidade que ele não queria viver, o homem que ele ainda estava remontando.
E ela que sempre foi muito falante, e que as vezes dissimulava frases cortantes, preferiu apenas observar tudo aquilo e não se sentir mais envolvida. O envolvimento iria feri-la, ele sempre foi sincero. Mas ela era uma mulher de grandes amores e ilusões intensas. Queria um porto seguro, mas só se não existissem barcos naufragados por lá; já bastavam os fantasmas da casa dele, ou os estranhos vultos que teimavam em aparecer só durante os encontros. Luzes queimavam, chamas de prazer se apagavam. Talvez, todos eles quisessem avisar para os dois que o amor não é coisa desse mundo.
Ele era um homem espirituoso, depois daquela noite pediria a Deus para tomar as rédeas do seu coração. Ela também acreditava na força divina, mas não em milagres. Agora, o acaso vai decidir os próximos encontros ou desencontros de almas.

"Se existe um motivo para viver- ele pensou- esse motivo deve ser o amor".
Ele ficou com sua legião de lembranças na urbanidade das curvas, na volta para casa.

Ela apenas olhava pela janela, a boca não se mexia, os olhos já se preparavam para o difícil sonho daquela noite.

"Se existe um motivo para amar-ela pensou- esse motivo nunca deve ser descoberto".

A Menina Maniva lamenta quem vai para cozinha e não sabe o que, de fato, quer degustar no prato. Pensando que com as mãos sujas e restos de tempero na boca, o paladar será o mesmo. E tem ainda os de estômago vazio, que logo na primeira garfada, pensam que a maniva é caviar. A fome de amor também pode iludir.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Para pelicular os dias

Vou ao cinema poucas vezes ao ano, não porque não goste, mas para mim é uma questão de obedecer ao meu estado de espírito ou de hormônios. Tento lembrar dos filmes que mais gostei de ter visto na telona e das pessoas que estavam comigo nas sessões... Bom, melhor não, a lembrança tem um ar solitário, na maioria das vezes.
Minha memória não é lá essas coisas para nomes, títulos e quase não tenho amigos cinéfilos; Prefiro então, falar das sensações que alguns filmes me causam, e das imagens que observo ao sair do escuro. Afinal, acho que o que deve fazer a diferença mesmo, não são quantos filmes você viu, mas sim, quais filmes você viu e o que eles te fizeram sentir.

Abro aqui um parêntese: O cinema é um lugar mágico e trágico. As cadeiras sempre vermelhas, as cortinas negras, o chão sujo.
Sempre que vou ao banheiro no fim do longo corredor, lembro-me da cena de algum filme de terror. Algum medo submisso se revela rapidamente. O cinema só não é mais mágico porque o quê de trágico que existe nele, mora bem escondido no escuro das emoções dos espectadores. A magia encontra mais sentimentos parceiros no nosso pensamento do que nos medos dentro dos banheiros mundo a fora. E além do mais, eu não gosto de perder nenhuma cena sequer.

Mas voltando à essência disso tudo, que está além do filme, das palavras e das imagens, quero voltar as sensações. Quando saio do cinema, é como se a vida fosse uma continuação daquilo que acabei de ver. Começo a imaginar soluções para a minha personagem na trama e tento fazer a história daquele dia não acabar, pelo menos, do mesmo modo casual dos dias. As emoções põem cores nas horas.
Acredito que seja isso que os cineastas mais fazem, durante a vida toda, para criar suas histórias. Eles devem dormir pensando em suas emoções diárias, e assim cada dia deve ter um roteiro pré-determinado e um pouco de riso e lágrima. Um bom filme sabe arrancar na hora certa o sorriso e a lágrima. A imitação da vida na tela é a perfeita sincronia de emoções.

Hoje assisti um romance francês, chamado "Você e Eu". Engraçado como os filmes franceses conseguem manter uma elegância mesmo na mais banal cena de amor. As cores parecem ser muito vivas e os olhos dos atores também. Eles são bem mais fantasiosos que os Hollywoodianos, e parecem naturalmente mais humanos, entende ?
Bom, eu não sou a maior conhecedora de cinema francês nem de cinema em geral, mas gosto de arriscar escrever sobre aquilo que conheço pouco e me faz sentir muito. E então as lacunas vão sendo preenchidas facilmente.

Mas voltando novamente, as lacunas cinematográficas : O que tentava explicar mais acima sobre os filmes americanos, é que a maioria deles segue esse padrão humano perfeito, com emoções previsíveis. Nas películas francesas quanto mais doce for o personagem, mais próximo ele se torna da nossas fantasias reais. Os cineastas franceses devem buscar histórias nos seus sonhos. É isso. O sonho é o nosso mais puro desejo repleto de fantasia.

Sabe que isso tudo também pode ser só uma questão de empatia com o cinema francês, ou um lapso hipersensibilidade?
(Falei no começo que meus hormônios contribuem para ir ao cinema compartilhar emoções. Se estiver me sentindo vazia, de TPM ou menstruada, sinto que é a hora certa de “pelicular” o dia. Agora faz sentido ? Estou em dias vermelhos, admito).
Ah, o que importa mesmo é que essas sensações preenchem vazios e alimentam a imaginação. Me sinto na França por uns segundos.

No "Você e Eu", o diálogo que mais marcou foi quando Ariane, uma escritora romântica de fotonovelas, está consolando sua irmã Lena, que chora o término com o marido:

"-Será que ele vai me esquecer ?
-Não,Lena. O primeiro amor a gente não esquece.
-Ah, então como suportar ?
-Não suporte. O meu coração é uma porta de banheiro público, cheio de nomes rabiscados."

Sensível com a pitada certa de dureza. Me vi em Ariane nesse trecho e o filme só estava pela metade.
Ah, e como os finais inesperados dos casais apaixonados sempre me dão um aperto no peito...
Logo vêm uma vontade de começar a escrever logo outro nome na minha porta de banheiro...

Obs: Digerir um filme que te propõe sensações além de imagens, pode ser bem mais pesado do que qualquer pratada de Maniçoba, cuidado.
A pupila retrai ao voltar a claridade, mas a luz não pode inibir o coração.

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terça-feira, 1 de janeiro de 2008

A vida é um fogo de artifício


Muitos abraços, muitos desejos de saúde e sucesso. Muita comida. Muita gente de branco. Muito Champagnat.
A espera e a contagem final antes do ano novo chegar é sempre a mesma. E se ouve de longe o estouro da garrafa e os gritos de felicidade.
Fomos todos a um pátio da casa das tias, onde o céu é perto e o chão é liso. Demos as mãos e rezamos um pai nosso, depois, alguém gritou: "Um ano maravilhoso virá!". Então batemos palmas, e cada um foi buscar sua taça de champagnat, e realizar sua crença pessoal: Ou uvas, ou pulinhos com o pé direito ou alguma reza esquecida durante o ano, repetida apenas nessas épocas festivas de promessas também esquecidas.
Depois os mais jovens vão para os encontros de amigos, ou festas dançantes, e os mais velhos comem mais um pouco e se preparam para dormir o sono dos justos, afinal, trabalharam muito o dia todo, e por que não dizer, o ano todo, para preparar a ceia daquela noite e de muitos outros dias de comemoração.
Pego uma corona no sono do meu pai a caminho de casa, e vou para uma reunião de amigos. Gente legal, música boa, mais um pouco de comida deliciosa. Ah, e lá mais um incremento indispensável para festas de reveillon: Fogos de artifício.
O céu se ilumina por alguns instantes e depois só resta a fumaça no ar.
No primeiro dia do ano os fogos me fizeram refletir uma filosofia típica de primeiro de Janeiro: A vida é um fogo de artifício.
Ou seriam, Artifícios em fogos? Sei lá. Ela é cheia de pequenos detalhes luminosos que compõe a grande luz maior. O barulho, o brilho, a cor e a fumaça no fim de tudo, as cinzas pelo chão. A noite é o cenário perfeito para foguetear, o brilho só compete com o das estrelas. Na vida, usamos comummente o artifício do fogo no peito para suportar amores bandidos.
Eu soltei meu primeiro rojão hoje, segurei bem firme. Foram momentos de tensão. Têm que segurar forte e marcar uma direção certa para o céu, que jamais pode ser o teto da casa, ou a janela da vizinha. A vida pode explodir em várias direções.
Os fogos que minha amiga comprou, eram daqueles simples, que fazem mais barulho do que espetáculo. E então eu comecei a pensar que têm gente que passa a vida assim, armando o seu rojão sem direção e não sabendo o momento certo de estourar o brilho.
“Onde guardar tanto barulho e tanto brilho ?”, minha cabeça matuta enquanto fumo um cigarro (o primeiro e último do ano, prometi), e a fumaça se mistura com a neblina da cidade. Quanta neblina. Quanta fumaça de fogos perdidos. Quanta luz sendo emitida mundo a fora.
E ver a noite do primeiro dia (que é, na verdade, o começo da primeira manhã) do ano coberta por esse ar cheio de fumaça articulada pelo brilho,pela ansiedade de um ano melhor, foram os meus artifícios para a felicidade pura, sem os artifícios coloridos dos dias. É bom acender a chama do rojão e aguardar para ver os fogos estourando subitamente. A chama viva, acende e apaga, no espaço infinito do céu.
Ah, eu queria mesmo era soltar rojões de fogos todos os dias. Fazer um espetáculo pirotécnico solitário. Não para acordar os vizinhos, nem quando o time do coração ganhar um campeonato, nem quando alguém casar e prometer ser eternamente feliz. Queria soltar mesmo todos esses sorrisos reprimidos,espremidos e comprimidos num único rojão de luz, todos os dias ao acordar. Mas, pensando bem, se assim fosse, luzes iam se repetir e logo perderiam a graça.
Agora sim eu compreendi porque os fogos de artifícios nunca perdem a graça: Eles nunca são iguais. São como a vida, diferentes a cada novo ano, novo olhar.
Como ver tanta cor no céu e não sorrir ? Tudo bem, mas mesmo assim eu me nego a tentar esconder a minha melancolia de primeiro de Janeiro num trago de cigarro. Chega de filosofias de primeiro de Janeiro. A confraternização mundial, na verdade, impera dentro de mim, com uma pitada de ironia e com fogo, não fogos.
Vamos então ao segundo cigarro de 2008, (quebrar promessas) e a primeira fumaça poluente do ano.
Vamos defecar o excesso de comida e começar a dieta anti-carboidratos.
Vamos ser felizes na medida certa para a felicidade discreta.
Vamos, vamos.
Serei a primeira a soltar os fogos já no fim de 2008. Não se iluda, pode ser como amanhã, sempre passa tão depressa.

Obs: A Menina Maniva jamais usa branco na virada de ano, porque está acima do peso e branco engorda. Esse ano, a roupa foi azul-celeste e prata, em homenagem ao céu e aos fogos multicolores da vida.

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