Tulipa Negra
A minha Tulipa negra floresceu numa manhã de sol de domingo. Éramos dois apaixonados sedentos de toda a alegria e romantismo que essa flor poderia trazer. Algumas ligações, alguns quilômetros rodados, palavras trocadas, visitas, e a decisão: Seria uma Tulipa mesmo, a única flor com orgulho de sua cor, forte.
Não estava nada preparado para sua chegada. Gostamos de coisas assim, com emoção. E ela, moleca flor, ao perceber que já estava plantada em novo território não se intimidou. Conquistou novos ares, balançou com o vento e fez desse lar sua terra adubada. Inspirou sorrisos, sustos, raiva. Cresceu tão rapidamente... Como planta regada todos os dias.
E então, percorreu a casa, criou raízes profundas e sem volta. “Aqui é o meu lugar”-pensou. Um lugar carinhoso que guardava no passado um grande perigo. Tulipa negra era destemida, adorava cheiro de mato, farejar o desconhecido, cavar em busca de tesouros. Essa ânsia pelo novo, fez do lar um inimigo.
Porque outro ser destemido, e não menos poderoso já tinha passado por essas bandas. Tulipa nem desconfiava. Infelizmente ele partiu antes do esperado, e deixou um fardo bem guardado e enterrado, no fundo do quintal.
Numa das escavações, a pequena grande Tulipa negra suspirou tal veneno. E sem nos avisar, orgulhosa que é, sentiu tudo sozinha, até não poder esconder mais.
Cada pétala começou a perder a cor, e em seguida cair... Os apaixonados começaram então uma corrida contra o inanimado. “Vamos continuar regando, amor” Insistiam.
Tulipa negra estava com as pétalas contadas. Havia receita de remédio pendurada na parede do quarto, dedicação em cada gesto e muita esperança nos olhos dos apaixonados. Flor é coisa preciosa para eles.
Consultaram todos os sábios que diziam saber tudo sobre esse tipo de planta, sobre a cura para o tal veneno. Quanta bobagem. Fardo assim, nem magia negra resolve, pequena flor.
E eles que nem acreditavam em mistérios, nem em remédios milagrosos, decidiram tentar de tudo. Afinal, para quê se rega uma planta, se não para vê-la crescer, criar novos galhos e atrair olhares admirados? Pena que Tulipa era pequena demais, não havia florescido o suficiente para criar seus próprios espinhos e combater o mal. Tanta pureza e negritude escondiam uma natureza frágil.
E não tão menos frágeis eram os corações dos apaixonados. Que ora se encharcavam de esperança, outrora de dor. Tulipa revirou tudo dentro deles. Marcou a pele, as roupas, os sapatos, a memória. As noites de pouco sono e os dias longos tinham valido a pena. Não havia do que reclamar. Flores são sempre generosas.
Para que a tempestade não devastasse o que restava de doçura em Tulipa, eles pensaram em cortar o mal pela raiz. A coragem faltava e as lágrimas escorriam. “Tulipinha, Tulipinha, você não merecia tudo isso”, pensavam.
Mas cada dia passava cada vez mais difícil. Tulipa já pouco parecia com aquela que desbravou nosso lar e nossas vidas. A flor estava murchando.
Depois de mais última noite mal dormida, a esperança se foi. Seria a decisão mais difícil dos últimos tempos. Eles não suportavam mais tanto sofrimento, nem Tulipa. Algumas ligações, alguns quilômetros rodados, palavras trocadas, e a decisão: Assim será melhor, Tulipa é planta, florescerá em qualquer lugar do universo.
E quando chegou ao céu, uma surpresa: Um jardim só de flores negras, bem ao lado de Deus, a esperava.
A Menina-Maniva regou muito a plantação hoje. Lágrima para lavar a terra, adubo para novas flores.