Menina Maniva

A que veio da mandioca, a parte venenosa, com muita clorofila, que precisa de sete dias para ser digerida. Isso porque não é qualquer um que encara a "pratada": Quente, calórica e pesada. Aparência nada amigável, sabor incomparável.

domingo, 27 de abril de 2008

Mi-galhos da memória


Quase cheguei ao fim da rua, a mesma dos tempos de escola. A rua que não era rio, mas eu ria de sua maresia. A rua que tanto naveguei e desaguei.
Sempre tive problemas com direções, mas pouco me perdi. Se o sentido me faltava, o instinto me guiava, e assim seguia, sem medo de não olhar para os dois lados.
Na direita, uma calçada com sombra, e uma enorme fila de táxis. Na esquerda, um aperitivo de glamour para os olhos, vitrines, e bancos que quase ninguém senta. Eu estou de passagem.
Sabe quando algum olhar cruza, e você pensa que reconhece a íris do olho? Estou sendo poética demais. A única "Íris" que conheci, era uma moça chata da padaria que nunca me dava o troco corretamente. Mas para mim o que importava mesmo era quantos pãezinhos de queijo tinham no saco de papel.
Eu tenho boas lembranças daquele tempo de descobertas, quando um sonho, numa única noite, podia mudar os rumos do coração. Meus instintos comandavam desde cedo, foi difícil tentar controlá-los, junto com a boca, que ora comia demais, ora falava exageradamente.
Passando pelo antigo prédio, vi o jardim e a mesinha de centro. Foi lá que um menino de olhos verdes apaixonantes, me disse que se emagrecesse 10 quilos namorava comigo. Foram 3 anos de paixão solitária sem perder um quilo sequer. Os numerais nunca fizeram muito sentido na minha vida, a não ser os cardinais, estrelares, impulsos cardíacos. Quase sempre perco as contas.
Alguns suspiros e mais uma esquina. Agora sinto que sei caminhar com firmeza, e a rua não é mais a mesma. Levantar a cabeça. Parece que crescer nos obriga a criar rumos, que nem sempre são aqueles, tão espontâneos, como escolher entre o escorrega-bunda e o balancinho. Eu gostava mesmo era de olhar pro chão, pisando com um pé dentro do mosaico da calçada, outro fora, e assim ia brincando de amarelinha, sem regras, sem perder a passada. Olhar para frente era monótono.
É duro lutar todos os dias para manter a espontaneidade, os sentidos aguçados, o passo a esmo. Direções são para ruas e não para gente. Gente precisa de emoção para seguir e de raízes fortes para subir. Caminhos tortos por linhas certas.
Na última esquina da rua, dobrei na transversal.

A Menina Maniva cresceu sem adubos, porém chuvas e trovoadas, sol e vento, alteraram os rumos dos galhos. A natureza de planta decide as direções, mas a poda é feita por mãos humanas.

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quinta-feira, 24 de abril de 2008

Um texto chato, não leiam, vejam os jornais

"O caso Isabella assombra o Brasil".
"O caso Isabella tira o sono da polícia".
"O caso Isabella têm novas surpresas".

Eu vou me jogar do vigésimo andar, amanhã.
Obrigada.

Humor negro: Eu acho que a pequena Isabella se suicidaria ao ligar a televisão.

A Menina Maniva enrolará o pescoço nas próprias raízes. Afinal, só se jogar não tem tanta graça. Não sou mais criança.

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sábado, 12 de abril de 2008

Com a boca do estômago


Seres orgânicos, ativados pela veemência do orgulho, dos pés no chão e calça jeans como segunda pele. Somos feitos basicamente de estômago e sexo. Sim, oramos a divindades, fazemos magia negra, vamos a cartomantes e acreditamos que santos choram. Comemos alface dentro do sanduba do fast-food, participamos de corridas beneficentes e temos o sentimento de dever cumprido. Inventamos também café com leite e "cream cracker" para alimentar a fome das madrugadas. Amém.
Também vestimos a carapuça sem medi-la antes, atamo-nos a conclusões cheias de medo, ressentimentos, viramos escravos do espelho, cortamos o cabelo, tomamos chá verde e pedimos cintas elásticas pela internet, e como elas apertam. Mas queremos respirar apenas, não suspirar feito bobo por aí.
Nunca perdemos, nunca desistimos. A luta é nossa droga, a mais alucinógena de todas. A luta vã de toda manhã, de todo jornal, de toda página de blog. A insatisfação é pertinente em nossos dias. Somos humanos tão humanos. Somos gente tão gente. Somos carne, osso e gordura.
Quando o primeiro soco na barriga acontece, descobrimos que nosso estômago tem boca, olhos, ouvidos. Que o que estava entalado por lá grita, berra, cospe e humilha, sem ao menos uma gota de vômito sair do corpo. Esse órgão se contrai e se distrai, mandando mensagens de euforia para o cérebro. Então sentimos que é o fim de tudo, prometemos nunca mais comer nada. E assim, começamos a nova luta, a revolução desses dias: Queremos curar a gastrite emocional.
Viramos bulimicos, fazemos endoscopia, reeducação alimentar, tudo em vão. Cobiçamos o estômago alheio, fazemos chacota do inimigo, fumamos como condenados, bebemos mais ainda. Conspiramos contra médicos sádicos e assustadores, brigamos com nossas Mães que fazem mingau de Maizena toda noite.
Depois de tentar tudo, só parece ter nexo a cura de dentro para fora. O estômago é como bactéria fortalecida. Começa a suportar socos cada vez mais fortes, caldos mais quentes, remédios mais potentes, tão ácidos quanto o próprio líquido estomacal. Vivemos para isso, para ele e nossos enjôos. Apelamos para métodos orientais, espirituais e astrológicos. Mas ao descobrir que o próximo soco pode vir mais forte ainda, nos cagamos de medo.
O problema é que pensamos ter educado esse maldito órgão feito de impulsos involuntários, mas nem mastigar direito sabemos, mandamos tudo para dentro, a base de "Eparema".
E para terminar, morremos satisfeitos, de estômago cheio e coração vazio. E então a família percebe que nosso maior desejo constava o tempo todo na carteira de identidade: Doador de órgãos e tecidos.

A Menina Maniva tem estômago de ferro, claro. Só queria ter mais agilidade para desviar dos socos. A ferida de dentro nem se nota, mas dói e cresce.

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sábado, 5 de abril de 2008

Olha, foi jóia mas agora é miçanga


Foram jóias aquelas tardes com sorvete de chocolate. Eu pensei que elas teriam esse gosto doce e refrescante eternamente. Mas tardes geralmente tem fim e ele é bonito.
O crepúsculo, o céu e o sol: Dia quente o suficiente para derreter aquele sorvete.
A casa feita com cabelos escuros, com crenças espirituosas, deu lugar para um quarto de motel. Quarto bonito. Quarto escuro e espirituoso. Além das conversas, dos toques e carinhos, além do sono e do ninho, a nudez devassa da vida. Corpos entregues demais, gente leve sobre um lençol pesado de motel.
Eram jóias em estado bruto, sem muito colorido. Faltou pano na manga e sobrou lençol.
Os colares com miçangas pretas, formas roliças, guardavam o pescoço de quem gostava de ter o surpreendente como coleira. Colecionador de arte artesanal, fácil de arrebentar.
E a noite, sem brilho de estrelas, formou a luz do próximo dia. Ao acordar, foi coberta com pequenos raios de sol que brilharam feito jóia... Mas o colar solar não merecia aquele pescoço nu, tão devasso... Colecionadora de miçangas, com milhares de combinações para formar e depois, se quiser, arrebentar. Ah, esse desprendimento com as metáforas, essas lembranças irresistíveis. Orangotanga.

"Olha, foi jóia, mas agora é miçanga
Se tem pano pra manga, Orangotanga, vá ou eu vou."

Chico César cantou e alguém repetiu:
"Eu fui, foi jóia rara." Claro que foi.

A Menina Maniva gosta mais de jóias do que de miçangas, adora se enfeitar. E avisa: Tem alergia ao que não brilha com verdade, bijuterias de falsos quilates.

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